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Uso do Símbolo ® em Marcas não Registradas

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 126 – Edição Especial, Julho 2011, p.58-59.

 

Aparentemente, todos sabem que a aposição do símbolo ® a um sinal, indica que se trata de uma marca registrada. Entretanto, inúmeras empresas utilizam o ® justaposto a marcas ainda em processo de registro, ou simplesmente sem registro perante o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Diante dessa constatação e em vista da escassez de doutrina a respeito do assunto, é comum surgirem algumas dúvidas: será que esse uso é ilegal ou, de alguma forma, prejudicial a terceiros? E, em caso afirmativo, qual seria a penalidade aplicável?

De acordo com o art. 5º, D, da Convenção da União de Paris, da qual o Brasil é partícipe, não há obrigatoriedade de uso do símbolo ® ou de qualquer outro sinal ou menção ao registro da marca para que o direito do titular seja reconhecido. Além de não haver essa obrigatoriedade, não existe na legislação brasileira qualquer dispositivo específico que regule o uso do símbolo em questão. Assim sendo e considerando que tanto o art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal (CF), como o art. 1º do Código Penal (CP) estabelecem que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, em princípio, tal uso não pode ser considerado ilegal.

Entretanto, o fato de não existir um dispositivo legal específico que trate desse uso, não significa que ele não possa ser enquadrado em algum outro preceito legal. Nesse sentido, as possibilidades existentes seriam a de crime de concorrência desleal (art. 195, incisos I, III, e VII, da Lei da Propriedade Industrial – LPI1), crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal2), e/ou crime contra as relações de consumo (art. 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor3). Contudo, parece-nos que nenhum desses dispositivos poderia ser aplicável em relação ao uso indevido do símbolo ® se não houver um prejuízo efetivo para um terceiro, seja ele um concorrente ou um consumidor.

Com efeito, mesmo podendo ser considerada uma “falsa afirmação” a respeito do status de determinada marca, qual a vantagem que poderia ser obtida pelo suposto titular do registro marcário em detrimento de seus concorrentes? Em outras palavras, de que forma essa falsa afirmação poderia ser prejudicial a esses concorrentes? E com relação aos consumidores, será que eles observam se as marcas dos produtos que consomem são registradas, ou pelo menos ostentam uma indicação de registro? E, em caso positivo, qual seria a relevância dessa informação para eles? A que tipo de erro os consumidores poderiam ser induzidos pela indevida aposição do ® a uma marca não registrada? Será que a “distinção” obtida com a aposição de tal símbolo seria capaz de influenciar a decisão de compra a ponto de desviar a clientela de uma empresa cuja marca não ostentasse o mesmo símbolo?

Muitas outras perguntas poderiam ser formuladas com base nos dispositivos legais mencionados, mas acreditamos que apenas em situações em que o símbolo ® possa de fato agregar valor a determinado produto ou serviço, a falsa informação a respeito do status da marca poderia ser considerada publicidade enganosa e crime de concorrência desleal. Um exemplo que pode ilustrar bem a questão, tanto com relação à aplicação do art. 37, § 1º, do CDC, como do art. 195, I, da LPI, ocorreu há alguns anos com um nome de tecido, supostamente registrado como marca. Tratava-se de uma etiqueta aposta a roupas de microfibra, na qual a fabricante (aqui denominada “Tecidex”) se intitulava detentora do registro da “marca” “microfibra light” (nominativa) – expressão de uso comum, declarada irregistrável pelo INPI. Ela não só utilizava nas etiquetas o nome do tecido acompanhado do ® –“microfibra light®” ¬– como também declarava textualmente nas mesmas etiquetas: “Um tecido de marca registrada ‘Tecidex’ ”.

Neste caso específico, parece-nos viável a aplicação do art. 195, I, da LPI, pois tanto o uso da frase “Um tecido de marca registrada ‘Tecidex’”, como do símbolo ® constituem falsas afirmações e podem ter sido prejudiciais aos concorrentes. Com efeito, os concorrentes da empresa que se intitulava detentora do registro marcário para “microfibra light” podem ter deixado de usar o nome do tecido para indicar a composição de seus produtos por pensarem se tratar de uma marca efetivamente registrada (tal como LYCRA). Realmente, se “microfibra light” fosse uma marca registrada, os concorrentes estariam infringindo o suposto direito da empresa ao uso exclusivo da “marca”. Com relação aos consumidores, eles poderiam ter sido induzidos a acreditar em uma suposta superioridade do produto da empresa “Tecidex” e terem optado por ele em detrimento dos produtos dos concorrentes.

Muito provavelmente pela falta de um dispositivo legal que regule o uso do símbolo ®, bem como de literatura sobre o tema, não se tem notícia de qualquer disputa sobre a questão, seja perante o CONAR – Conselho de Autoregulamentação Publicitária ou no Judiciário. De qualquer modo, havendo um prejuízo pelo uso indevido do símbolo ®, que possa ser efetivamente demonstrado, é possível construir uma argumentação capaz de impedir tal uso.

De qualquer modo, mesmo que seja improvável que algum concorrente ou consumidor venha a reclamar sobre o uso indevido do ® em relação a uma marca não registrada, definitivamente, tal uso deve ser evitado. Nesse sentido, é importante observar que o ® e o MR (marca registrada) devem ser usados apenas com relação a marcas devidamente registradas. Para as marcas em processo de registro, o correto é usar a sigla MD (marca depositada), ou ™ (“trademark”), que é a indicação comumente usada nos EUA e em outros países para identificar marcas ainda não registradas.

Por fim, vale mencionar que, em alguns países, como a Alemanha, por exemplo, o uso do símbolo ® aposto a uma marca que não esteja registrada naquele país é considerado crime. Assim sendo, se a marca em questão identificar produtos para exportação, é aconselhável que, mesmo que ela esteja registrada no Brasil, seja usado apenas o ™. Afinal, é sempre melhor prevenir do que remedia®. . .

 

Notas:
1
Lei 9.279/96 – Art. 195 – Comete crime de concorrência desleal quem:
I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;
(…)
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
(…)
VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;
2 Código Penal – Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 ( cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 ( um) a 3 ( três) anos, e multa, se o documento é particular.
3 Código de Defesa do Consumidor – Art. 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1º – É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

 


© Deborah Portilho – junho 2011

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