Dportilho

Quem tem direito ao “Alto Renome”?

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 130,
ano 34, Janeiro/Fevereiro de 2012
, p.48-50.

ASPIRINA, BAND-AID, DORIL, ENO, GELOL, HIPOGLÓS, MELHORAL, MERTHIOLATE, NOVALGINA, SONRISAL, TYLENOL, VALDA, VICK, VIAGRA. O que essas marcas têm em comum, além de identificarem medicamentos e produtos correlatos amplamente conhecidos no Brasil e algumas inclusive no exterior? Todas aparentemente preenchem os requisitos para o reconhecimento de seu alto renome pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Entretanto, aparentemente e por razões desconhecidas, essas e outras marcas de produtos/serviços do segmento farmacêutico ainda não figuram no rol das marcas reconhecidas como de alto renome pelo INPI, diferentemente de marcas de empresas de outros segmentos, como, por exemplo, BOM-BRIL, HAVAIANAS, PETROBRAS, SADIA, SKOL e VOLKSWAGEN, dentre várias outras que já gozam dessa proteção.

Mas, afinal, do que se trata esse reconhecimento e por que as empresas deveriam se preocupar com isso?

O reconhecimento do alto renome de uma marca está previsto pelo art. 125 da Lei da Propriedade Industrial (LPI – Lei nº 9.279/96) e seu objetivo é assegurar às marcas registradas no Brasil, e comprovadamente conhecidas e prestigiadas pelo público em geral, proteção especial em todos os ramos de atividade.

Para explicar a relevância do reconhecimento do alto renome de uma marca, é importante que se apresente antes o Princípio da Especialidade das Marcas. Segundo esse princípio, às marcas registradas é assegurada proteção, em todo o território nacional, nas classes de produtos e/ou serviços nas quais elas forem concedidas e com as quais esses produtos e/ou serviços guardem afinidade. Assim sendo, se uma marca é imitada ou reproduzida por uma empresa que atue no mesmo segmento de mercado, ou em segmento afim, o registro marcário concedido à empresa titular da marca original é suficiente para obstar o registro da marca dessa outra empresa, desde que esta marca seja passível de confusão ou de associação com aquela (art. 124, XIX, da LPI ).

O problema ocorre quando a marca reproduzida ou imitada é depositada por um terceiro em uma classe diferente para identificar produto ou serviço distinto daquele assinalado pela marca original. Nesse caso, justamente em vista do Princípio da Especialidade, o registro de uma marca em uma determinada classe não impede o registro de marca igual ou semelhante em uma classe diversa, com a qual ela não mantenha afinidade, a menos que a marca seja de alto renome.

As exceções ocorrem nos casos de má-fé do requerente ou de tentativa de aproveitamento parasitário da fama e do prestígio da marca alheia. Três bons exemplos que se enquadram nessas exceções são as decisões do INPI com relação aos pedidos de registro das marcas BAND-AID e SONRISAL, para artigos do vestuário (depositadas por duas empresas diferentes) e MELHORAL ODONTOLOGIA CLÍNICA, para serviços odontológicos. Esses três pedidos de registro foram indeferidos pelo INPI mesmo sem que as marcas originais tivessem sido declaradas de alto renome.

Mas, infelizmente, nem sempre as decisões nesses casos são acertadas… Dois exemplos nesse sentido são as marcas “ME MERTHIOLATE”, em nome de uma empresa de artigos do vestuário, e VIAGRA, em nome de uma fabricante de calçados . Nesses casos, muito provavelmente, os Examinadores do INPI concederam os registros por entender que não há possibilidade de confusão entre artigos de vestuário e medicamentos, deixando contudo de considerar a “carona” na fama e no prestígio das marcas MERTHIOLATE e VIAGRA originais. Entretanto, se essas marcas inegavelmente notórias contassem com a proteção do alto renome, prevista pelo citado art. 125 da LPI, essas concessões jamais teriam ocorrido.

Mas o depósito de marcas famosas por terceiros não é de todo ruim. Sim, porque o reconhecimento do alto renome de uma marca somente é feito de forma incidental, em decorrência de um processo de Oposição ou de um Processo Administrativo de Nulidade. Ou seja, a empresa não pode simplesmente requerer ao INPI esse reconhecimento; é necessário que um terceiro tenha depositado um pedido de registro, ou que já tenha obtido um registro, para uma marca igual ou semelhante à marca famosa para que seu titular possa atacar esse pedido/registro alegando, como base para o indeferimento/nulidade, o alto renome de sua marca. Se o INPI der provimento a esses argumentos, o pedido/registro atacado será então indeferido/declarado nulo com base no art. 125 da LPI. A publicação dessa decisão sobre o processo atacado é que consolidará o reconhecimento do alto renome da marca, garantindo a ela proteção especial, em todos os ramos de atividade, por cinco anos, quando então o processo de reconhecimento terá que ser reiniciado da mesma forma.

Entretanto, é importante observar que esse reconhecimento não gera para o titular um direito de propriedade sobre a marca em todas as classes de produtos e serviços existentes na classificação marcária, ou seja, o titular não passa a ter um registro da marca em cada uma dessas classes. Na verdade, o que o alto renome de uma marca garante a seu titular é uma proteção defensiva para essa marca em todas as classes, de modo a impedir que ela possa ser registrada ou utilizada por quaisquer terceiros interessados. Além dessa proteção defensiva, existem duas outras vantagens que o reconhecimento do alto renome proporciona.

A primeira consta no art. 196, II, da LPI e diz respeito à pena de detenção para os crimes contra registro de marca. Nesses casos, se for proposta uma ação criminal contra um infrator e ele for condenado, a pena prevista nos arts. 189 e 190 da LPI será aumentada de um terço à metade se a marca for de alto renome.

A segunda vantagem é a comunicação sobre o reconhecimento do alto renome da marca, que é feita pelo INPI ao Comitê Gestor da Internet no Brasil – órgão competente para registro de nomes de domínio no Brasil. Essa comunicação é feita a fim de que o Comitê Gestor possa denegar requerimentos de nomes de domínio que incluam a marca reconhecida pelo INPI como de alto renome. Essa previsão consta do art. 2º, inciso III, alínea “b”, da Resolução nº 001/98, do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Em vista da citada proteção defensiva e dessas duas vantagens, o ideal seria que as marcas das indústrias farmacêuticas pudessem usufruir dos benefícios que a lei oferece, tal como já vem ocorrendo com as marcas de várias empresas de outros segmentos. Para tanto é preciso que, sempre que houver um processo de oposição ou de nulidade contra a imitação ou reprodução de uma marca indiscutivelmente famosa, independentemente da classe em que ela tenha sido depositada/registrada, a titular da marca original alegue o alto renome dessa marca e, claro, que o INPI acate o pedido.

Afinal, se o INPI já reconheceu o alto renome de marcas como AYMORÉ, AZALEIA, CICA, CHICA-BOM, CORAL, DERBY e ITAPEMERIM, por que não haveria de reconhecer o alto renome de ASPIRINA, BAND-AID, DORIL, ENO, GELOL, HIPOGLÓS, MELHORAL, MERTHIOLATE, NOVALGINA, SONRISAL, TYLENOL, VALDA, VICK, VIAGRA?…

 

NOTAS:
1
– Art. 124. Não são registráveis como marca:
(…)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
2 – Exemplos citados no artigo As Marcas e o Comportamento Parasitário de Não Concorrentes, de Deborah Portilho, publicado nesta Coluna, na edição nº 128, de Set./Out. de 2011

 

©Deborah Portilho – dezembro 2011

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