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Três erros que você não deve cometer ao falar de Propriedade Industrial

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 157, ano 38, Nov./Dez.2015

 

As áreas da Propriedade Intelectual e Industrial são relativamente novas se comparadas a outras áreas do Direito. Provavelmente por isso ainda haja tanto desconhecimento sobre elas. E o propósito deste artigo é comentar três dos erros bastante comuns quando se fala em Propriedade Industrial.

O primeiro não é exatamente um erro, mas sim uma confusão entre essas duas expressões que várias pessoas pensam serem sinônimas: Propriedade Intelectual e Propriedade Industrial. Contudo, a diferença é muito simples: a Propriedade Intelectual é uma grande área do Direito, da qual a Propriedade Industrial faz parte.

Para facilitar a compreensão da relação entre elas, apresentamos o esquema abaixo, o qual ilustra os direitos que formam a Propriedade Intelectual, cada qual com sua respectiva lei e, em particular a Propriedade Industrial, com os institutos por ela protegidos. Assim, como demonstrado no esquema, não se pode falar em “Lei da Propriedade Intelectual” – erro bastante frequente – mas sim em “Lei da Propriedade Industrial”, que é a ¬Lei nº 9.279/96, mais conhecida como “LPI”:

Direitos de PI_Fluxograma
Figura 1 – A Propriedade Intelectual e dos Direitos que a compõem(1)

O segundo erro diz respeito à expressão “marca registrada”, a qual é utilizada tanto para as marcas que já tiveram seus registros efetivamente concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), quanto para aquelas que apenas foram depositadas perante aquele órgão. Nesse sentido, é importante notar que, diferentemente do que ocorre com os nomes de domínio (2), bem como com as obras protegidas pelo Direito Autoral (3), cujos registros são obtidos no ato do requerimento, o registro das marcas não é concedido pelo INPI no ato do depósito.

Na realidade, o que ocorre é uma solicitação do registro da marca ao INPI, por meio de um pedido que será inicialmente analisado quanto a aspectos formais, para então ser publicado na Revista da Propriedade Industrial (RPI), de modo que terceiros interessados possam apresentar oposição. Apenas após essa publicação é que o pedido de registro será examinado pelo Instituto quanto a sua registrabilidade. Caso a marca não incida em qualquer proibição constante da LPI, o registro será concedido. Como se verifica, trata-se de um processo que se inicia com o depósito da marca e é concluído com a concessão do registro pelo INPI, após as devidas análises(4).

Assim sendo, só se pode falar em “marca registrada”, ou seja, em direito concedido pelo INPI, após a concessão do competente registro. Antes disso, o requerente do pedido possui apenas uma expectativa de direito em relação à sua marca depositada, direito esse que pode, ou não, ser concedido.

Por fim, o terceiro erro a ser tratado neste artigo está relacionado aos termos “invenção” e “inovação”. Muito embora sejam conceitos distintos, é bastante comum a confusão entre eles. De forma simplificada, “a invenção constitui uma nova e não óbvia solução de um problema técnico” (5). Por sua vez, “a inovação consiste na transformação desta invenção em realidade de mercado”(6).

Observe-se que, no sentido econômico da palavra, somente existe inovação quando ocorre transação comercial do novo produto, sistema de processo ou do artefato inventado. Em outras palavras, pode-se ter uma invenção patenteada, mas, se ela não se transformar em um produto comercializável, não será considerada uma inovação (7). Assim sendo, não é correto dizer que uma inovação tenha sido patenteada, mas sim que a invenção foi patenteada e constitui uma inovação no mercado.

Para ilustrar, tomemos como exemplo o medicamento Qsymia (originalmente denominado Qnexa), da Vivus Inc., o qual resulta da combinação das drogas Fentermina e Topiramato, e tem como finalidade terapêutica a redução da obesidade (8). Esse medicamento, que foi patenteado nos Estados Unidos, teve sua comercialização negada em 2010 pelo U. S. Food and Drugs Administration (FDA), que equivale à nossa ANVISA. Apenas em 2012, após submissão de novos dados estatísticos pela titular, Vivus Inc., é que o medicamento obteve aprovação do órgão sanitário norte-americano para ser comercializado (9).

Assim sendo, por ter sido patenteado pelo United States Patent and Trademark Office (USPTO), o medicamento Qsymia está necessariamente incluído na categoria de invenções, mas ele só se tornou uma inovação ao ser colocado no mercado (10), após a devida aprovação do FDA. Caso essa aprovação não tivesse sido concedida, o produto teria sido apenas uma invenção que não prosperou.

Como se verifica, esses conceitos não estão restritos ao universo jurídico e já que eles fazem parte do dia-a-dia de todos os profissionais que trabalham, direta ou indiretamente, com marcas e/ou patentes de medicamentos, é importante evitar os erros aqui comentados, de modo que se possa sempre falar “com propriedade” – seja sobre Propriedade Industrial ou sobre Propriedade Intelectual.

 

Notas:

(1) Fonte: elaboração da autora

(2) O registro de nome de domínio é feito perante o Registro.Br e administrado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

(3) As obras protegidas pelo Direito Autoral, dependendo de sua natureza, são registradas perante a Biblioteca Nacional, a Escola de Belas Artes da UFRJ e a Escola de Música, também da UFRJ

(4) Lamentavelmente, em vista do imenso backlog que o INPI enfrenta, o tempo entre o depósito e a concessão do respectivo registro é, no mínimo, de dois a dois anos e meio, podendo levar até bem mais do que o dobro desse tempo.

(5) ARAÚJO, André Luiz Carneiro de. Proteção e Registro de Sistemas Embarcados. Apresentação realizada durante II Simpósio Internacional de Inovação Tecnológica, Aracajú, SE, 22-23 ago. 2011. Disponível em: . Acesso em: 03 set 2015.

(6) Idem

(7) Esse conceito está de acordo com a definição de “inovação” dada pelo art. 2º, IV, da Lei nº 10.973/2004 (Lei de Inovação): “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços”.

(8) Fonte: http://www.drugs.com/qsymia.html. Acesso em: 03 set. 2015.
COHEN, Elizabeth. HUDSON, William. FDA approves new diet drug.

(9) Disponível em: http://edition.cnn.com/2012/07/17/health/fda-diet-drug/. Acesso em: 03 set. 2015.

(10) O Qsymia não recebeu aprovação da ANVISA para ser comercializado no Brasil.

©Deborah Portilho* – setembro de 2015

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