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Generificação ou Degenerescência da Marca?

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 124, ano 33, Março/Abril de 2011

Talvez você não tenha ouvido falar em generificação e/ou em degenerescência da marca, mas certamente conhece várias marcas que, por terem se tornado muito famosas, acabaram sendo usadas como sinônimo dos produtos que identificam. Algumas delas talvez você nem saiba que um dia foram, ou ainda são, marcas registradas. São muitos os exemplos em vários segmentos de mercado: nylon, querosene, corn flakes, lanolina, trampolim, Pyrex, Isopor, Fórmica, Blindex, Xerox, Gillette, Chiclets, Cotonetes, dentre muitos outros, destacando-se na indústria farmacêutica Sal de Fruta, Botox e Viagra. Alguns doutrinadores dizem que essas marcas sofreram “generificação”, outros “degenerescência” e alguns usam o termo “diluição” para identificar o fenômeno que transforma marcas fortes e famosas em termos de uso comum.

O que pretendemos aqui é demonstrar que esse fenômeno se manifesta de duas formas e que pode haver generificação sem degenerescência e que, portanto, ambos os termos deveriam ser utilizados de acordo. Sobre o uso do termo “diluição”, pode-se descartá-lo de plano, pois se trata de uma teoria distinta, incorporada e difundida pelo direito norte-americano, a partir da publicação do famoso artigo The Rational Basis of Trademark Protection, de Frank Schechter, publicado em 1927 no Harvard Law Review Journal. Resumidamente, essa teoria versa sobre o enfraquecimento de marcas famosas como decorrência de seu uso por empresas não concorrentes, e não como decorrência do uso dessas marcas como substantivo. Assim, a discussão fica mesmo restrita aos termos “generificação” e “degenerescência”.

Os autores Deven R. Desai e Sandra L. Rierson, em seu estudo intitulado Confronting the Genericism Conundrum1, tratam dos conceitos genericism e genericide e estabelecem a diferença entre eles. Genericism é usado para identificar a doutrina prevalecente utilizada pelas cortes norte-americanas para determinar se uma marca deve ser declarada genérica e, portanto, incapaz de desempenhar seu papel de marca. Por seu turno, genericide é considerado pelos autores como um subtipo do genericism e é utilizado para identificar o processo pelo qual uma marca que já foi altamente valiosa e inquestionavelmente protegida perde todo seu status e valor. Assim, o genericism, além de englobar aspectos mais amplos relativos ao tema, incluiria o genericide.

Vejamos então como esses conceitos se relacionam com a “generificação” e a “degenerescência” usadas pelos doutrinadores brasileiros.

Existem marcas registradas no Brasil, tais como Pyrex, Isopor, Blindex, Xerox, Gillette, Cotonetes, Sal de Fruta, Botox e Viagra, dentre muitas outras, que apesar de serem coloquialmente usadas como substantivos, sinônimos dos produtos que identificam, elas não perderam seu status marcário e, portanto, seus titulares continuam tendo direito ao seu uso exclusivo em todo o território nacional. Assim sendo, mesmo que “hastes flexíveis com pontas de algodão” sejam popularmente chamadas de “Cotonetes” no Brasil, a marca Cotonetes só é usada pela Johnson & Johnson e as embalagens dos produtos concorrentes estampam suas próprias marcas, dentre elas, Bastonetes, Palinetes, Cotton Plus, Topz e Cottonbaby. O mesmo ocorre com as fotocópias Xerox, as lâminas de barbear Gillette, as gomas de mascar Chiclets, os vidros temperados Blindex e o medicamento para tratamento da disfunção erétil Viagra. Considerando que, nesses casos, as marcas não perderam sua função principal – identificar os produtos e distingui-los dos de seus concorrentes – e o direito sobre elas continua exclusivo de seus titulares, não se pode dizer que houve qualquer tipo de “degenerescência” ou degeneração. Assim, parece-nos que o termo “generificação” é o que melhor descreve o fenômeno ocorrido e poderia ser equiparado ao genericism norte-americano.

Felizmente, ou infelizmente, e diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e em outros países, a Lei da Propriedade Industrial brasileira (“LPI” –Lei Nº 9.279/96) não prevê a extinção do registro pela generificação da marca. Como ensina o doutor Denis Borges Barbosa, “[d]urante sua vigência [do registro], há plena oponibilidade da marca erga omnes. Não pode o INPI, nem o Judiciário, erodir tal exclusividade a pretexto de generificação.”2 Contudo, nada impede que, no futuro, a LPI seja alterada de modo a prever que uma marca que se torne termo de uso comum, particularmente por ação ou inação de seu titular, possa, por exemplo, sofrer caducidade por generificação, ou perder o direito à prorrogação do registro. Até que isso aconteça, mesmo que uma determinada marca sofra um processo de generificação e passe a ser usada como sinônimo do produto, não ocorrerá degenerescência, pois o registro da marca perante o INPI continuará válido e poderá ser prorrogado indefinidamente.

Paralelamente às marcas “generificadas”, existem algumas marcas que se tornaram efetivamente termos de uso comum e já não contam mais com a proteção marcária. Nesse grupo estão nylon, originalmente marca do fio patenteado pela DuPont em 1937; querosene (ou “Kerosene” em inglês), marca do combustível desenvolvido em 1846 pelo geologista canadense Abraham Gesner; corn flakes marca do cereal da Kellogg’s lançado em 1907, só para citar algumas. Nesses casos, podemos dizer que essas marcas sofreram um processo de generificação e se degeneraram3, pois não só se tornaram o nome genérico dos produtos, como perderam a proteção do direito marcário e caíram em domínio público, ou seja, perderam todas as características originais que poderiam tê-las mantido como marcas fortes e famosas. Portanto, entendemos que, apenas para essa categoria, o termo “degenerescência” seria aplicável e corresponderia ao genericide do direito norte-americano.

A propósito da etimologia do termo genericide, vale mencionar a crítica feita a ele por um juiz e por alguns autores norte-americanos4. Não obstante esse termo estar firmemente fixado na literatura, ele não descreve o fenômeno de que se cuida. Nesse sentido, eles alegam que o sufixo “cide” (ou “cídio”, em português) significa matar e o fenômeno em questão não trata da morte do termo genérico que identifica o produto, mas sim da morte da marca. Portanto, nesse caso, o correto seria trademarkicide ou brandicide e não genericide

No que nos diz respeito, a própria etimologia das palavras generificação e degenerescência sustenta, sem maiores questionamentos, a proposta aqui feita para o uso de ambos os termos e não apenas de um ou de outro. Por sorte, não importamos da doutrina norte-americana o termo “genericídio” e, como também não pretendemos usar “marquicídio” nem “brandicídio”, pelo menos com esse problema etimológico não precisamos nos preocupar.

Notas:
1 CARDOZO LAW REVIEW, Vol. 28:4, p. 1789
2 BARBOSA, Denis Borges. “O Fator Semiológico na Construção do Signo Marcário” p. 116. Disponível em http://denisbarbosa.addr.com/tesetoda.pdf
3 Degenerar – 1. Perder as qualidades ou características primitivas (Dicionário Aurélio – 100 anos)
4 ZIMMER, Bem. Inside “Genericide”, April 2, 2009. Disponível em http://www.visualthesaurus.com/cm/wordroutes/1803/

© Deborah Portilho – março 2011

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