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Enfim, a Consulta Pública sobre as Marcas de Medicamentos

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 121, ano 33, Setembro/Outubro de 2010

Finalmente, depois de sete longos anos, a RDC 333/2003 da ANVISA parece estar mesmo com seus dias contados. Essa resolução já havia sido revogada quase em sua totalidade pela RDC 71/2009 sobre Rotulagem de Medicamentos, mas seu item 3, sobre a formação dos Nomes Comerciais de Medicamentos, acabou sendo mantido em vigor. Mas agora, enfim, ele deverá ser revogado de vez pela RDC que resultará da Consulta Pública (CP) 72, de 14.07.2010. Em vista da relevância do assunto, pelo menos duas entidades ligadas ao Direito Marcário, quais sejam, a Comissão de Propriedade Industrial e Pirataria (CPIP) da Ordem dos Advogados do Brasil/RJ e a Comissão de Marcas da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), apresentaram suas sugestões para essa futura RDC. Como não seria viável discutir aqui todas elas, vamos citar pelo menos alguns dos pontos que mereceram atenção de ambas as Comissões.

Inicialmente, deve ser ressaltado que a CP 72 trouxe novidades válidas, mas também alguns pontos questionáveis. Dentre as novidades, estão a adoção das expressões “complementos diferenciais dos nomes comerciais”1 e “componente identificador do produto”2, bem como o próprio “tom” da CP 72, conferido pela redação de seu art. 1º, que fala em “critérios de aceitabilidade de nomes comerciais”, possivelmente sinalizando uma nova postura da ANVISA em relação à questão das marcas de medicamentos.

Essa “aceitabilidade” abrange as regras para a formação dos nomes comerciais dos medicamentos, tanto no que diz respeito à adoção/criação do nome em si, quanto aos possíveis conflitos de novos nomes/marcas frente aos já existentes no mercado. Em relação à adoção/criação do nome, a CP apresenta algumas regras questionáveis, tais como as proibições de uso de palavras ou expressões em língua estrangeira e de nomes próprios de pessoas ou de lugares. Essas proibições nos parecem por demais rigorosas e, especialmente em relação aos nomes próprios, desnecessárias. Além do mais, elas agravariam a já enorme dificuldade de se cunhar novas marcas de medicamentos e ainda poderiam impactar várias marcas tradicionais.

Outra regra questionável é a proibição tanto do uso dos radicais padronizados para as classes químicas pela Organização Mundial da Saúde, como da denominação genérica da substância ativa, no todo ou em parte, na formação do nome comercial e/ou complemento diferencial. De fato, como essa proibição é muito ampla, ela impediria a adoção de radicais de uso comum, como, por exemplo, “amox” para marcas de produtos à base de amoxicilina: AMOXIL, VELAMOX, AMOXADEN, etc. A proposta é que a proibição de uso dos radicais em questão recaia apenas sobre as marcas dos medicamentos que não possuam em sua composição a substância representada por aquele radical e que não seja permitida a adoção de nomes que possam causar risco de confusão com a denominação genérica da substância ativa.

No que diz respeito aos conflitos de uma nova marca com o nome/marca de um medicamento já existente, uma das melhores novidades da CP é que a “famosa” (e insuficiente) regra das três letras3, responsável por um sem-número de discussões, não foi incluída como critério para formação dos nomes comerciais. Aliás, nesse aspecto, a ANVISA limitou-se a estabelecer que o nome comercial de um medicamento deve, preferencialmente, ser composto por uma única palavra e guardar suficiente distinção gráfica e fonética em relação ao nome de medicamento já existente no mercado. O problema é que, de acordo com as definições constantes da CP, duas marcas só seriam consideradas semelhantes sob os aspectos gráfico e/ou fonético se elas causassem confusão mútua e potencial erro de medicação por troca. Ocorre que, mesmo que não haja erro de medicação, i.e., que a indicação terapêutica dos produtos seja a mesma, o simples fato de haver possibilidade de associação e/ou confusão entre duas ou mais marcas já é suficiente para haver semelhança gráfica e/ou fonética. Se assim não fosse, estar-se-ia admitindo a coexistência de marcas que se diferenciassem por uma letra apenas (ex.: TYLENOL e TYLEMOL). E essa situação é indesejável, não só para o titular da marca original, mas também para o consumidor que pode levar “gato por lebre”.

De qualquer forma, devido à complexidade das questões que envolvem a formação dos nomes comerciais de medicamentos, a sugestão é que a ANVISA se reúna com profissionais das áreas de Marca e Regulatória e, principalmente, com o INPI, para: 1) criar um programa de análise computadorizada para identificar marcas com semelhança gráfica e fonética, similar ao Phonetic and Orthographic Computer Analysis (POCA) System, utilizado pelo FDA; 2) formular testes para simular o pedido dos medicamentos por escrito ou verbalmente, tanto pessoalmente, no balcão da farmácia, como por telefone; 3) organizar grupos de discussão formados por especialistas em Marcas de Medicamentos e em Vigilância Sanitária; e 4) elaborar quaisquer outros tipos pertinentes de avaliação de erros de medicação ou simplesmente de produtos. A propósito, coincidentemente, o FDA está revendo, com a ajuda da indústria, as regras relativas à formação dos nomes, rotulagem e embalagem de medicamentos, no intuito de reduzir erros de medicação, e ficou de publicar uma minuta de suas diretrizes até 30.09.2010 4, a qual poderá servir de base para as regras a serem adotadas pela ANVISA.

Dentre as várias outras questões levantadas e propostas sugeridas, estão a necessidade de a ANVISA definir o que ela considera “risco sanitário significativo”, de modo a evitar análises meramente subjetivas e a ampliação do conceito de “família de produtos”. Sobre este último, a sugestão é que seja permitido que os medicamentos de uma mesma empresa possam ser agrupados por um nome comercial comum e formar uma família de produtos quando possuírem os mesmos componentes identificadores e/ou a mesma indicação terapêutica, desde que diferenciados por complementos individuais, os quais poderiam ser formados por marcas secundárias e/ou termos de uso comum que os tornem suficientemente distintos uns dos outros.

Como a CP não previu a regulamentação da futura RDC, a sugestão de ambas as Comissões foi no sentido de incluir um artigo estabelecendo que a ANVISA regulamente, no prazo de um ano, contado a partir da data da publicação da RDC:

I – os critérios, métodos, programas de análise computadorizada, testes, bem como qualquer outra forma de avaliação das semelhanças gráficas e fonéticas das marcas de medicamentos;
II – os critérios para determinar a adequação dos nomes comerciais já registrados; e
III – os critérios para avaliação de risco sanitário significativo, bem como qualquer outro que se faça necessário.

Em assim procedendo, as regras a serem estabelecidas pela futura RDC sobre a aceitabilidade de nomes comerciais e complementos diferenciais de medicamentos e sobre a adequação de nomes comerciais já registrados poderão ser postas em prática com base em critérios claros, preestabelecidos e de conhecimento de todos os envolvidos.

Notas:
1 Complemento diferencial de nome comercial: designação complementar ao nome comercial de um medicamento que se pretende registrar, com função de diferenciá-lo de outro produto já registrado pela própria empresa e reduzir o risco de erros de medicação

2 Componente identificador: é o fármaco, ou conjunto de fármacos numa associação, que caracteriza aquele produto e é compartilhado por todos os componentes de uma determinada família de produtos

3 RDC 333/03 – Item 3.4 – “pode ser utilizado nome assemelhado a outro já registrado desde que se diferencie por no mínimo 3 letras distintas, presentes ou ausentes, limitando a probabilidade de haver confusão na escrita para resguardar a identidade do produto realmente prescrito”

4 Vide FDA to Publish Draft Labeling Guidance by 9/30. disponível em http://archive.constantcontact.com/fs095/1102959881256/archive/1103591062237.html

©Deborah Portilho – agosto 2010

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